Como Se Fosse Um Deserto
Um dia perguntei ao meu pai: “como é que se pinta”? O meu pai respondeu: “fecham-se os olhos, abrem-se de repente e reproduz-se a primeira imagem que se vê”. Mesmo para uma criança, não era difícil perceber que a primeira imagem que vemos, após fecharmos os olhos e os abrirmos num ímpeto, é de uma realidade desfocada, em busca de contornos, e na qual as cores se impõem de modo desordenado.
O conselho terno marcou de forma permanente o modo como, ainda hoje, olho para a pintura e, desejavelmente, como observo o mundo. Mesmo não pintando, procuro repetir o gesto intuitivo de observar tudo com um espanto inicial e com o fulgor de um exame rápido – como se a realidade última das coisas fosse passível de ser apreendida por um primeiro olhar, liberto de preconceitos.
Quando olho para este conjunto de peças de Luís Artur vejo precisamente uma abertura intuitiva à novidade, mas que nem por isso deixa de ser reflexiva e profunda. Uma pintura de paradoxos.
Desde logo porque estas peças mantém uma fidelidade conservadora a uma técnica que se foi perdendo: a da pintura a óleo circunscrita ao espaço físico das telas. Mas, acima de tudo, porque entre a linguagem da cor, que é por definição disruptiva (a tal realidade desfocada, mas incandescente), se revela uma vibração emotiva que expõe a tranquilidade dos grandes espaços, disponíveis para a contemplação. Talvez seja daí que vem o título deste conjunto: “Como se fosse um deserto”. Uma sugestão de que na largueza dos campos abertos e aparentemente vazios se esconde uma vibração terrena que é fonte de todos os enigmas.
A propósito destas peças, Luís Artur confirma que “não sabemos onde nos conduz tanto espaço”, para acrescentar que, mesmo quando confrontados com a “amargura do fim”, podemos sempre vislumbrar “uma tranquilidade final”. Talvez seja isso que encontramos na sua pintura: a oferta de espaço para “a superação dos conflitos” e uma abertura “ao otimismo de sentir, ver e estar com”. Uma réstia de ânimo, “como se o mundo ainda nos pudesse dar esperança e beleza”.
É frequente afirmar-se que encontramos prazer no reconhecimento que descortinamos nas obras de arte. O que está associado a uma certa familiaridade entre observador e objeto contemplado. Pois eu, que me habituei a encontrar nas pinceladas vigorosas de uma paleta de cores ampla uma resposta luminosa para a realidade, e que cresci com estes quadros à minha volta, posso afirmar que esta asserção é verdadeira. Até porque o meu pai não se limitou a conduzir a forma como olho para o mundo, ilustrou-o também com os seus próprios quadros. Entre eles, os que compõem esta exposição.
Pedro Adão e Silva